Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo lado: a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flôr.
Trato delas durante o dia enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras precisam de ser limpas e acariciadas: a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas tem mesmo de ser lavadas, é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias e do mau uso.
Muitas chegam doentes, outras simplesmente gastas, estafadas, dobradas pelo peso das coisas que trazem às costas
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papeis no ar e é preciso fechá-la na arrecadação...
"O limpa-palavras e outros poemas" Álvaro Magalhães
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